uma história real

uma história real

11 de maio de 21

 

uma história real

 

vou adotar o nome de clara, visando proteger minha identidade.

também decidi narrar os fatos como se eles estivessem acontecendo. fica mais viva a lembrança.

sou clara, deficiente visual .

tenho 39 anos, nasci sem visão e moro com minha mãe, minha irmã e meu cunhado.

 

hoje vamos visitar um casal de cegos que residem em uma cidade próxima da que moro com minha família.

quando chegamos à casa deles, me interesso por conhecer o cego. talvez até imaginando que ele possa se interessar pela minha pessoa e me livre de todo o pesadelo que vivo desde que me conheço por gente.

minha irmã e meu cunhado acompanham eu e minha mãe nesta diferente visita.

eles buscam conhecer o modo de vida de um casal de cegos, pois eu possuo a mesma deficiência, mas por não ter sido estimulada, não me desenvolvi como pessoa e como ser humano. .

  minha mãe, envelhecendo, pressente e teme que quando ela se fôr, eu não terei outro destino, a não ser uma casa de repouso, pois minha irmã e meu cunhado não aceitam tal responsabilidade comigo.

 

quando adentramos a casa do casal de cegos, a cega, dona da casa, nos convida para um café da tarde.

ficamos na pequena saleta, com a mesa posta com xícaras, uma fôrma de pão de mel (feito pela cega) e café com leite.

minha irmã e meu cunhado se negam a adentrar a casa e muito menos consomem o café da tarde que nos é oferecido, demonstrando todo o preconceito que possuem em relação à deficiência.

minha mãe logo esclarece para a dona da casa:

  • ela não consegue se alimentar sozinha, pegando a xícara de café com leite e empurrando na minha boca e ao mesmo tempo segurando com a outra mão a minha nuca e fazendo um movimento bem brusco para frente e para trás com a minha cabeça. todoo este movimento causou um derrammamento de café com leite da minha boca para a minha roupa e para a minha volta. e minha mãe voltou a repetir:
  • - não disse que ela não sabe se alimentar sozinha? e quando saímos é esta vergonha que passo sempre.
  • o casal de cegos falou algumas coisas sobre suas vidas, como foram criados, como foram estimulados a fazer desde uma atividade simples, até mesmo trabalhar para ajudar em casa.
  • minha mãe relatou à eles a situação que sempre ocorre na nossa casa:
  • - quando fazemos alguma coisa para ela que ela não gosta, ela fica nervosa e começa a querer quebrar tudo...
  • até um tempo atrás, quando ela ficava nervosa, queria morder a gente, daí resolvemos extrair todos os dentes dela...
  • e a minha casa, contimua minha mãe, está cheia de grades, porque quando ela fica nervosa, nós fechamos ela no cômodo que ela está com uma porta de grade.

nunca mais voltamos a visitar o casal de cegos...